quarta-feira, 5 de março de 2008

Impressões do Crepúsculo




Pauis de roçarem ânsias pela minh'alma em ouro...
Dobre longínquo de Outros Sinos...
Empalidece o louroTrigo na cinza do poente...
Corre um frio carnal por minh'alma...
Tão sempre a mesma, a Hora!...
Balouçar de cimos de palma!...
Silêncio que as folhas fitam em nós...
Outono delgadoDum canto de vaga ave...
Azul esquecido em estagnado...
Oh que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!
Estendo as mãos para além, mas ao estendê-las já vejo
Que não é aquilo que quero aquilo que desejo...
Címbalos de Imperfeição...
Ó tão antiguidade
A Hora expulsa de si-Tempo!
Onda de recuo que invade
O meu abandonar-me a mim próprio até desfalecer,
E recordar tanto o Eu presente que me sinto esquecer!...
Fluido de auréola, transparente de Foi, oco de ter-se...
O Mistério sabe-me a eu ser outro...
Luar sobre o não-conter-se...
A sentinela é hirta
– A lança que finca no chão
É mais alta do que ela...
Para que é tudo isto...
Dia chão...
Trepadeiras de despropósito lambendo de
Hora os Aléns...
Horizontes fechando os olhos ao espaço em que são elos de erro...
Fanfarras de ópios de silêncios futuros...
Longes trens...
Portões vistos longe...
Através de árvores...
Tão de ferro!

Fernando Pessoa

Publicado por Sofia Marisa Vasconcelos da Costa Pedro in olhares.com

2 comentários:

Cátia disse...

"Oh que mudo grito de ânsia põe garras na Hora!
Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!"


Sem duvida algo que define esta minha fase...


Amigo venho convidar-te a aceitar a quadragésima, já o fiz antes, mas nao sei se o viste... http://cticho.blogspot.com/2008/02/quadragsimacom.html

Beijinhos

Anónimo disse...

"Que pasmo de mim anseia por outra coisa que o que chora!
Estendo as mãos para além, mas ao estendê-las já vejo
Que não é aquilo que quero aquilo que desejo..."

A eterna insatisfação...

Beijinhos!